Quando tinha 7 anos, fui levada por minha tia paterna Lúcia, ao Recife, para assistir, no Cine São Luís, o filme Horizonte Perdido, criação literária do inglês James Hilton. Situado nas montanhas do Himalaia, o lugar era descrito como paradisíaco, onde o tempo parecia se deter em um lugar de paz, amor, harmonia, felicidade e propósito.
Este filme ficou em minha memória, e de minha irmã, Fernanda, por muitos anos como um legado e grande presente da minha tia, e compôs as narrativas das nossas vidas. Ele foi a inspiração para projetar a Casa Shangri-La, onde os materiais naturais, o propósito e toda a natureza que envolve o lugar, nos chama a perceber e entender o nosso relacionamento com o mundo, nos instigando a observar a arquitetura que emerge dos sentidos através da poética percepção dos verdadeiros e reais valores da vida.
Tendo como conceito a arquitetura dos sentidos e o design biofílico, e, vislumbrada a partir de técnicas de construção sustentável, a Casa Shangri-La surge, em meio à pandemia, como um desejo pessoal de realizar uma casa de campo para refúgio familiar, aliado à necessidade de aproximação da natureza e redução do estresse e da fadiga mental, oferecendo proteção, mistério e emoção.
Situado no município de Bananeiras, brejo paraibano, o terreno possui uma área de 2.255m² e fica localizado em frente a um campo de golfe.
Para a concepção projetual, tomamos como partido algumas diretrizes arraigadas na neuroarquitetura, como o entendimento de que a conexão com a natureza beneficia diretamente a nossa saúde e o nosso bem-estar, além de técnicas de construção sustentável. Inicialmente, planejamos a casa toda térrea, aproveitando o terreno plano e facilitando as questões inerentes à acessibilidade. A casa possui um conceito aberto de integração com a natureza, que permite com que a iluminação natural seja aproveitada, sobretudo, para revelar espaços e construir atmosferas, além de propiciar ventilação natural que permeia os cômodos. Utilizamos placas fotovoltaicas para conversão da luz do sol em energia elétrica. A coberta converge para o pátio central onde há a captação e reaproveitamento das águas pluviais.
O pátio central interno toma partido da biofilia e permite que a natureza envolva todos os ambientes, além de auxiliar nas questões de conforto ambiental, pois possibilita a circulação de ar fresco por toda a casa. O vão central faz com que, tanto o som da chuva seja escutado, pois as águas que caem na coberta desenbocam no pátio central, quanto o canto dos pássaros seja apreciado, criando uma prazerosa atmosfera biofílica. As portas são bipartidas e permitem, sempre que possível, a ventilação natural fluir, além de ser um facilitador para acessibilidade.
A neuroarquitetura atesta, por intermédio da neurociência aplicada, que os espaços impactam diretamente no comportamento e podem transformar as sensações cognitivas do ser humano, mesmo inconscientemente. O desejo de vivenciar um pátio é proveniente da vontade de observar a natureza dentro da casa, criando sensações de segurança e conforto.
Os materiais escolhidos, grande parte naturais, como as pedras, a madeira de reflorestamento e o eucalipto autoclavado, trazem o fator sensorial da tatilidade.
Utilizamos dois tipos de revestimento da Portobello no piso, o Neotropical Black Mix e o Posto 07, ambos da linha Ipanema, desenvolvida em parceria com Oskar Metsavaht, criando uma composição que possibilita um sistema de orientação através da paginação.
A cozinha possui duas grandes aberturas que dão acesso para a sala e para o pátio. Não existe uma porta física, o que facilita a circulação e estimula o olhar de dentro para fora e de fora para dentro.
Na sala, projetamos uma lareira e, em volta, estantes com livros e objetos carregados de memórias afetivas, fruto de recordações de viagens de uma vida inteira, onde foi possível criar um ambiente agradável para ler, relaxar e acolher, a fim de trazer vitalidade e a sensação de pertencimento que nos fazem viajar e nutrem a apreciação e o entusiasmo das lembranças e dos bons momentos vividos.
A maneira com que o espaço é projetado determinará se foi adequado, afinal, Pallasmaa retrata que “uma edificação não é o fim por si só, ela emoldura, articula, estrutura, dá importância, relaciona, separa e une, facilita e proíbe”.
Assim, as experiências autênticas de arquitetura consistem, por exemplo, em abordar ou confrontar uma edificação, entre se apropriar formalmente de uma fachada, em olhar para dentro e para fora de uma janela, em vez de olhar os espaços de forma meramente estéticos. O espaço arquitetônico é um espaço vivenciado que transcende a geometria e mensurabilidade.
Dessa maneira, por acreditarmos que a arquitetura não cria meros objetos visuais, mas projetos com significados, o valor final de uma edificação ultrapassa o projeto técnico. Ela redireciona a consciência pessoal e individual para um novo olhar que proporciona a sensação de que o espaço é munido de identidade e vida, e este foi o nosso propósito. Como resposta, traçamos o caminho de uma arquitetura que dialogue com o ser humano, traduza a essência da natureza e deixe de legado o respeito pelo lugar onde foi edificada a Casa Shangri-La.
Fotos: Isa Rolim
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