Para um arquiteto, projetar para crianças tem como premissa o cromatismo, aquela dimensão lúdica que cores vivas fazem emergir quase que diretamente quando expostas em paredes, pisos e tetos. Me mudei faz alguns anos para um apartamento em um edifício dos anos 70 com minha esposa e meus dois filhos pequenos. Dois anos depois de entrar para morar, precisamos reformar o banheiro dos pequenos e, ao começar a pensar espacialmente sobre ele, as cores emergiram como aspecto fundamental quase que imediatamente. A ideia era ter uma parede escolhida como protagonista visual, como uma tela que desse identidade ao espaço. E para que houvesse diferenciação nesse plano com relação às demais paredes, não bastaria que fossem somente adicionadas diferentes cores. Era necessário compor com elas, dando-lhes formato e posição no todo. Em busca de revestimentos cerâmicos tive a sorte de encontrar uma coleção que me tocou desde o primeiro momento: Pavillon, formada por cores de Le Corbusier. Sou arquiteto, e comecei a estudar sobre Le Corbusier ainda na faculdade. Já formado, fiz mestrado e o tema de minha dissertação foi o Sistema Dom-ino (http://hdl.handle.net/10183/7917), projetado pelo arquiteto. Até hoje continuo estudando sobre ele, e ao longo do tempo aprendi que as cores são muito importantes em sua obra, seja qual for o tipo de edifício ou mobiliário em questão. Seja na cabana de Roquebrune-Cap-Martin, em Chandigard ou em seu apartamento-estúdio do Immeuble Molitor, Le Corbusier sempre fez das cores um atributo de desenho fundamental, alcançando através de sua manipulação um instigante jogo, definido pela equilibrada tensão formal entre volumes construídos e suas superfícies. Cada peça de Pavillon mede 5 x 40 cm, sendo 18 as cores disponíveis. Optei por colocar as peças alinhadas vertical e horizontalmente, criando uma trama regular. E defini que que ficariam em sentido vertical, ou seja, com largura de 5 cm e altura de 40cm. A seguir, surgiu a ideia de aplicar alguma figura concreta, algo que pudesse dar uma direção pra composição. Uma alternativa obvia seriam as iniciais dos nomes dos “clientes”, meus dois filhos Nina e Franco. E assim foi: as letras foram desenhadas com peças de cor azul CERULEEN VIF, sendo o entorno preenchido com uma disposição abstrata de cores em tons pasteis. Ao redor das letras, expandindo suas dimensões e ressaltando seu protagonismo, foram usadas as cores ROSE CLAIR para o “N” e VERT CLAIR. É interessante ver o quão lúdico e estimulante pode ser trabalhar com uma paleta de diferentes cores que, quando usadas para preencher unidades geométricas idênticas colocadas lado a lado, vão dando forma a composição, a uma matriz unificadora. O próprio Le Corbusier trabalhava sempre a questão das malhas reguladoras em seus projetos. Sobre o uso das cores, nos diz Le Corbusier no número 27 da revista L’Esprit Nouveau, de 1924, em um artigo titulado Idées personnelles: “Las constantes de la sensación primaria debida a los colores permiten crear una gama de colores de expresión definida y constante y una lógica de uso según la cual el artista se expresa con precisión”. Mais adiante, falando sobre purismo, o arquiteto justapõe cor e forma, destacando a percepção e as sensações na apreciação de composições artísticas: “Todas as formas tem direções e referem-se à vertical. As sensações musculares e circulatórias que modificam nosso estado, quando nosso olho percorre as linhas ou as formas, se adicionam umas às outras, e pode-se dizer que um quadro provoca em primeiro lugar uma sinfonia de sensações; a sinfonia de associações provocada por elas emociona nossa cinestesia y nosso ‘eu’ consciente. Partindo, pois, dos elementos formais e coloridos, e considerando-os excitantes e de ação específica determinada, é possível criar o quadro como uma máquina. O quadro é um dispositivo destinado a nos emocionar”. Trabalhar com referencias físicas trazidas diretamente da produção de Le Corbusier, como são suas cores originais, é algo extremamente estimulante. Algo que faz ainda mais presente o seu legado, e permite transmitir sua importância para as novas gerações.Fotos: Arq. Nicolás Sica Palermo
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