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High Line em agosto de 2019, no último verão americano. Ao fund ... Carve Tower. Foto Timothy Schenck:divulgação Studio Gang

Paisagismo, urbanismo e arquitetura

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21.02.2020
Como essas três áreas correlatas transformaram profundamente o bairro de Chelsea, em Nova York.
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Thomas Heatherwick, Zaha Hadid, Studio Gang, BIG. Todos estes starchtects – arquitetos estrelados internacionalmente – possuem obras nos arredores do High Line, em Nova York. Em uma curta caminhada pelos 2,5 km do parque linear é possível conferir prédios assinados pelos maiores nomes da arquitetura contemporânea, alguns já finalizados, outros em plena construção.

Enquanto eu curtia meu passeio pelo High Line, não pude deixar de me perguntar por que essa região concentra tantas novidades da arquitetura mundial. Eu havia realizado o mesmo percurso em dezembro de 2017. Pouco mais de dois anos depois, em janeiro de 2020, me impressionou a quantidade de novos prédios que haviam subido nesse curto período.

O parque High Line foi inaugurado em 2009, com projetos de arquitetura de Diller Scofidio + Renfro, de paisagismo de Piet Oudolf e de urbanismo de James Corner Field Operations. Na verdade, metade dele abriu em 2009, enquanto o segundo trecho ficou pronto em 2011. Digamos que existe há cerca de 10 anos. O parque ocupa um trilho de trem elevado, que estava abandonado. O projeto começou em 2004, com a proposta de revitalizar um corredor de 22 quarteirões na zona oeste de Manhattan, próximo ao rio Hudson, graças a uma parceria público-privada da prefeitura de Nova York com a associação Amigos do High Line.

Na época, o projeto parecia pouco usual, inovador. Houve quem desconfiasse. Não seria melhor simplesmente eliminar o trilho de trem? Mas hoje seu sucesso urbanístico é ampla e internacionalmente reconhecido, com direito a adaptações em outros cantos do mundo. Quem mora em São Paulo sabe bem os impactos no Minhocão, via elevada que está para ter o tráfego de carros definitivamente desativado e virar parque.

No passado, o High Line foi uma peça vital da infraestrutura urbana de Nova York, cruzando Manhattan verticalmente com transporte ferroviário. Era um símbolo da industrialização. Após sua desativação e abandono, foi gradual e involuntariamente tomado pela natureza. Seus arredores sofreram com decadência urbana e desvalorização imobiliária. O projeto de paisagismo do parque se inspirou nessa beleza melancólica, transformando a linha de trem em um instrumento de lazer pós-industrial, sem destruí-lo. A ideia ali é desacelerar, num paisagismo que preserva a estranheza original desse parque, sem subestimar sua popularidade como espaço público.

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O paisagismo de Piet Oudolf não nega a origem da via, um antigo trilho de trem (Foto: Iwan Baan_divulgação Diller Scofidio + Renfro)

Com a conclusão dos novos urbanismo e paisagismo da área, começaram a pipocar os projetos de arquitetura. E não se tratava de qualquer arquitetura. Nos últimos cinco anos, foram erguidos, às margens do High Line, vários empreendimentos de design admirável e altos investimentos.

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Lantern House, do Heatherwick Studio. O empreendimento residencial está em fase de finalização. Os apartamentos já estão sendo vendidos por a partir de 1,7 milhão de dólares (Render: cortesia Related Companies)

Lantern House, do Heatherwick Studio, é um deles. Ainda está em fase de construção, mas já é possível ter uma boa noção da aparência das duas torres residenciais, cada uma de um lado do High Line, unidas por um lobby abaixo dele. O nome Lantern House faz referência à forma das janelas abauladas de vidro. Os apartamentos têm pé-direito de 3 metros, para acompanhar as admiráveis aberturas. Uma das torres possui 10 andares, enquanto a outra tem 22.

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Detalhe da Lantern House (Render: cortesia Related Companies)

“As pessoas amam morar em lugares memoráveis”, declarou o arquiteto Thomas Heatherwick. “Como a maravilhosa estrutura de aço do High Line cortava o meio do terreno, nós sabíamos que não poderíamos perder a chance de emprestar sua textura e personalidade para nosso projeto”, continua. As vendas dos 181 apartamentos começaram no início de 2020, com preços a partir de 1,7 milhão de dólares.

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Vessel, do Heatherwick Studio (Foto: divulgação Heatherwick Studio)

Do mesmo Thomas Heatherwick é o Vessel, no início do High Line, área chamada de Hudson Yards. Inaugurado em março de 2019, se trata de um prédio “vazio” por dentro, como um vaso. Foi concebido como ponto turístico, em que a estrela é a arquitetura – além da vista para o rio Hudson, claro. A estrutura lembra uma colmeia de abelhas e é composta por passarelas que somam 1.609 metros. É possível andar por essas passarelas interligadas, admirando diferentes vistas dependendo da altura e orientação, sempre se sentindo dentro desse gigante vaso. O prédio tem 45 metros de altura, mas não se sente tanto a subida pelas escadas estarem espalhadas pelas passarelas. A estrutura é mais estreita na base e larga no topo, como uma pirâmide invertida.

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As passarelas do Vessel, visto de dentro (Foto: divulgação Heatherwick Studio)

Além de ponto turístico, o prédio não tem uma função residencial ou comercial. Gera, inclusive, a dúvida se se trata de arquitetura ou escultura. “Espero que traga frescor”, declarou Heatherwick. “Nós queríamos oferecer algo único para as pessoas. Nossa ambição era criar uma arquitetura intensa, para a socialização, um coração para o Hudson Yards, mas não de maneira passiva. Algo que as pessoas pudessem tocar e usar, em vez de apenas olhar, admirar e aplaudir”, continua. O acesso é gratuito, mas é necessário marcar horário pelo site, para evitar filas.

Solar Carve Tower, do Studio Gang. O prédio de oito andares é dedicado a escritórios (Foto: Nic Lehoux_divulgação Studio Gang)

Outro escritório de arquitetura celebrado que acaba de inaugurar um prédio no High Line é o Studio Gang, comandado pela americana Jeanne Gang, a única arquiteta a entrar na lista da revista Time das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2019. A torre de vidro irregular, na altura do bairro de Meatpacking, ficou pronta em agosto de 2019.

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Detalhe da fachada facetada da Solar Carve Tower (Foto: Timothy Schenck_divulgação Studio Gang)

A fachada facetada foi pensada para acompanhar o caminho do sol, potencializando a entrada de luz e a vista para o Rio Hudson dos interiores. O prédio foi batizado de Solar Carve Tower, como se esculpisse a luz solar. Trata-se de um empreendimento exclusivo, com apenas oito andares de escritórios. Os privilegiados que trabalham ali podem aproveitar um terraço de 743 metros quadrados adjacente ao parque High Line e o deck na cobertura compartilhada de 929 metros quadrados.

Tanto investimento em tão pouco tempo gerou, infelizmente, gentrificação. Esse termo significa a mudança dos grupos sociais existentes numa região urbana, quando novos edifícios valorizam o bairro e afastam a população de baixa renda que antes ali habitava. A própria arquiteta Elizabeth Diller, do escritório Diller Scofidio + Renfro, responsável pelo High Line, reconhece o problema.

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O High Line visto de cima. É possível ver que muitas das construções dos arredores são antigas. Porém, elas têm dado lugar a novos prédios, causando processo de gentrificação (Foto: Iwan Baan_divulgação Diller Scofidio + Renfro)

Em entrevista ao site Dezeen, ela afirmou que não esperava que o High Line virasse um sucesso tão grande e que a prefeitura não previu a gentrificação da área como resultado direto do parque. Ela acredita que a solução seria que os arquitetos pudessem continuar envolvidos no projeto após sua conclusão. “Após a ocupação, os arquitetos deveriam refletir sobre o que seus projetos geraram, para poderem administrar os efeitos”, disse.

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Os prédios antigos do bairro antes eram desvalorizados pelo trilho de trem abandonado. Hoje o local é alvo de especulação imobiliária, com muitos prédios de arquitetura estrelada subindo (Foto: Iwan Baan_divulgação Diller Scofidio + Renfro)

Ela se mostra feliz com a revitalização da área, mas acredita que mais regulações poderiam ter sido aplicadas para controlar o impacto do projeto urbanístico no mercado imobiliário. Por exemplo, leis de zoneamento que garantissem pessoas de todos os níveis sociais habitando a área. “Quando me perguntam se eu me sinto mal com o desenvolvimento agressivo ao redor do High Line eu respondo ‘deveríamos ter feito o parque pior?’. Simplesmente não há uma boa resposta”, declarou.

No final de 2019, ao avaliar o melhor dos anos 2010, o jornalista do New York Times Michael Kimmelman afirmou que “a arquitetura mais influente da década não foi um prédio”, se referindo ao High Line. Não foi um prédio, mas desencadeou a construção de muitos deles. Em cerca de 10 anos, o High Line gerou bilhões de dólares em desenvolvimento imobiliário e milhões de dólares em impostos e inspirou projetos ao redor do mundo.

Já o jornal The Guardian incluiu o High Line na sua retrospectiva sobre o melhor da arquitetura no século 21. Para o jornalista Oliver Wainwright, “seu verdadeiro poder é prover aos visitantes uma visão diferente da cidade, permitindo às pessoas flutuarem sobre as ruas congestionadas em um pulmão verde linear, com vistas surpreendentes pelo caminho”.

Na minha opinião, o sucesso do High Line se dá pela profunda integração entre urbanismo, paisagismo e arquitetura. São áreas correlatas, estudadas na mesma faculdade, mas que por vezes acabam sendo tratadas de maneira individual por urbanistas, paisagistas e arquitetos. Claro que cada profissional se especializará no campo de conhecimento que mais lhe agrada. Mas o High Line prova que a visão holística e multidisciplinar é fundamental para uma transformação coerente dos centros urbanos, além de ser mais proveitosa financeiramente.

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Maria Silvia Ferraz
Colunista
Editora

Editora do Archtrends, colabora com a Portobello desde 2014. É jornalista pela Faculdade Cásper...

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