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Igreja Matriz da Sé, na qual Tebas construiu a torre e realizou uma reforma (Foto: Marc Ferrez)

Joaquim Pinto de Oliveira: conheça a história do arquiteto Tebas

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Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, imprimiu sua marca em verdadeiros cartões-postais de São Paulo. Hoje, o talentoso arquiteto ganha uma estátua afrofuturista na capital paulista. Saiba mais!
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Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, é uma das figuras mais emblemáticas da arquitetura colonial brasileira. Escravizado até os 58 anos, ele tem o seu estilo marcado nas fachadas da Igreja da Ordem 3ª do Carmo e da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, ambas no centro de São Paulo.

Se preferir, aperte o play abaixo para escutar o áudio do artigo:

Arquiteto escravizado Tebas é homenageado com estátua afrofuturista no centro de São Paulo; saiba mais na matéria da ECOA!

Com uma história de muita luta e superação, Tebas era conhecido por dominar a arte da cantaria — o ofício de talhar pedras em formas geométricas para construções —, além de criar projetos para edificações. Quer saber mais sobre esse importante nome da arquitetura brasileira? Siga conosco!

As origens de Joaquim Pinto de Oliveira

Joaquim Pinto de Oliveira nasceu na Vila de Santos, no litoral paulista, e era filho de Clara Pinta de Araújo. Em meados do século XVIII, o seu então proprietário, o português Bento de Oliveira Lima, célebre mestre de obras da região, o leva para São Paulo.

Nessa época, a capital paulista passava por um verdadeiro boom na construção civil, usando o método construtivo da taipa. Foi então que o talento em cantaria de Tebas — como Joaquim era conhecido — começou a ficar evidente.

Além da cantaria, Tebas auxiliava na criação de projetos para edificações, sobretudo as religiosas. Alguns estudiosos acreditam que as habilidades dele tenham sido herdadas da sua provável família africana.

Fachada da Catedral da Sé, um dos pontos turísticos da capital paulista e na qual Tebas trabalhou
Fachada da Catedral da Sé, um dos pontos turísticos da capital paulista e na qual Tebas trabalhou (Foto: Wilfredor)

O trabalho de Tebas foi muito usado por diversas ordens religiosas em São Paulo, como a dos franciscanos, dos beneditinos e das carmelitas, principalmente para a ornamentação de igrejas, como a antiga Catedral da Sé e o Mosteiro de São Bento.

Alforria

Em relação à alforria, esse é um ponto contraditório na história do arquiteto. Existem estudiosos que indicam que ela ocorreu entre 1777 e 1778, depois de uma ação judicial movida contra a viúva de Lima.

Outros acreditam que Tebas detinha certo grau de autonomia para o seu trabalho, inclusive assinando contratos, o que permitiu a ele comprar a sua liberdade.

Ainda existem relatos de que ele teria sido alforriado pelo empreiteiro Bento Lima em seu testamento.

Mas a história mais conhecida conta que em 1789 o proprietário de Tebas faleceu e deixou uma dívida com o bispado da Sé: ele havia recebido para realizar uma obra que não fez. Então, o arcebispo negociou com a viúva, que passava por problemas financeiros. Assim, ele comprou o Sítio dos Limas e combinou de fazer o pagamento apenas quando o arquiteto finalizasse a obra.

A exigência do contrato era de que Tebas fizesse a edificação. Com isso, a viúva de Lima passou a depender também dos trabalhos dele para se sustentar. Em 1778, quando as obras da Catedral da Sé foram finalizadas, o arcebispo concedeu ao arquiteto a sua carta de alforria.

Depois de livre, Tebas continuou a trabalhar com arquitetura até o fim da vida, sendo responsável por importantes obras na capital paulista.

Morte e legado

Igreja de São Gonçalo, no centro de São Paulo, onde Joaquim Pinto de Oliveira foi sepultado
Igreja de São Gonçalo, no centro de São Paulo, onde Joaquim Pinto de Oliveira foi sepultado (Foto: Raoos)

Tebas faleceu em 11 de janeiro de 1811, aos 90 anos, e foi sepultado na Igreja de São Gonçalo, na Praça João Mendes, no centro de São Paulo.

A história do arquiteto negro atravessou todo o século XIX em diversas narrativas populares e virou quase uma lenda urbana. A sua importância foi tão grande que, nos séculos seguintes, pairaram dúvidas se ele realmente havia existido. Inclusive, essa pergunta foi lançada em um artigo sobre a história do Bairro da Sé, publicado pela Prefeitura de São Paulo em 1971.

Isso porque Tebas foi um dos poucos escravizados a se alfabetizar e conquistar a alforria pelo reconhecimento do seu trabalho. Ele não era mensurado pela sua força física, mas pelo domínio da técnica que aprimorou.

A sua história foi inspiração para um samba de 1974 escrito por Geraldo Filme.

Em 2018, mais de 200 anos após o seu falecimento, o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (Sasp) homenageou Tebas com base em documentos oficiais reunidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Para fortalecer a história de Joaquim Pinto de Oliveira, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) lançou o livro Tebas, um arquiteto negro na São Paulo escravocrata, que pode ser baixado gratuitamente e conta com muito mais detalhes a vida e obra dessa importante figura.

Doodle do Google de junho de 2020 homenageando Joaquim Pinto de Oliveira (Imagem: Google Discovery)

Em junho de 2020, Tebas também foi homenageado pelo Google com um Doodle, uma ação que buscou fazer jus à importância do arquiteto para a estética de São Paulo.

A origem do apelido Tebas

Não se sabe ao certo como Joaquim Pinto de Oliveira passou a ser conhecido como Tebas. Há duas versões para esse apelido.

A primeira faz referência ao Tebas grego, que, de forma engenhosa, derrotou a esfinge.

Já a outra vem de uma palavra da língua quimbundo, catalogada pelo dicionário Houaiss e usada para definir alguém com grande engenhosidade.

A segunda teoria tem mais força, afinal, é provável que o povo do século XVIII conhecesse mais as palavras do quimbundo, uma língua ancestral, do que a antiga lenda grega.

As obras mais importantes

Conheça agora as principais obras de Tebas.

Chafariz da Misericórdia

Um dos trabalhos de maior destaque de Tebas foi o chafariz público de São Paulo, o primeiro da cidade, responsável por canalizar as águas do Rio Anhangabaú.

Conhecido como Chafariz da Misericórdia, ele foi erguido no que hoje é a Rua da Direita, no centro de São Paulo, e acabou sendo demolido em 1866. A construção ocorreu quando Tebas já estava alforriado.

Chafariz do Largo da Misericórdia, desenhado pelo artista Miguel Benício Dutra
Chafariz do Largo da Misericórdia, desenhado pelo artista Miguel Benício Dutra (Imagem: Miguel Benício Dutra)

Esse era um importante ponto de encontro dos escravizados, onde eles se reuniam para buscar água para abastecer as casas dos senhores e aproveitavam para conversar, entre outros assuntos, sobre Joaquim Pinto de Oliveira, o alforriado que conseguira construir um chafariz.

Na verdade, durante algum tempo, esse chafariz foi chamado carinhosamente de Chafariz do Tebas, ajudando a perpetuar a história do criador.

Existem relatos de que, na época, o nome de Tebas se tornou uma expressão popular para indicar uma pessoa que sabia fazer de tudo. Dizia-se que "fulano é um Tebas" como uma forma de elogio.

Igreja do Carmo

Foi apenas na década de 1980 que Carlos Cerqueira, pesquisador do Iphan, fez uma grande descoberta. Ao analisar os arquivos das carmelitas, ele descobriu que a fachada da Igreja do Carmo era original e que havia uma cópia do contrato firmado com Tebas para o trabalho.

Tebas trabalhou na igreja do Carmo ao mesmo tempo em que trabalhava na Catedral da Sé. A partir dessa descoberta, o nome de Joaquim Pinto de Oliveira saiu do status de lenda e se tornou uma pessoa que existiu — que assinou documentos, recebeu remuneração e, sobretudo, trabalhou em importantes projetos.

Fachada da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no distrito da Sé, em São Paulo
Fachada da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no distrito da Sé, em São Paulo (Foto: Dornicke)

A partir desses documentos, houve um avanço muito grande na descoberta de informações sobre a vida e obra de Joaquim Pinto de Oliveira. Hoje, Tebas é considerado um dos principais expoentes do barroco paulista o mesmo barroco que influenciou Aleijadinho em Minas Gerais.

Em uma época em que a taipa de pilão reinava, Joaquim Pinto de Oliveira ficou conhecido pela sua capacidade de talhar e aparelhar pedras, oferecendo elaboradas ornamentações, acabamento refinado e maior durabilidade às construções.

Outras obras

Nos anos de 1750, Tebas foi responsável por diversas obras que hoje são consideradas verdadeiros cartões-postais de São Paulo, como a construção da torre da antiga Igreja Matriz da Sé (1750); o Cruzeiro de São Francisco com sua base de arenito e varvito, edificados em cantaria (1795), está localizado na cidade de Itu (SP) na Praça Dom Pedro I; a ornamentação das fachadas da Igreja do Mosteiro São Bento (1766), a fachada da Ordem 3ª do Carmo (1777) e da Ordem 3ª do Seráfico São Francisco (1783).

Fachada da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, localizada no Largo São Francisco, em São Paulo (Foto: Cmikas)

Foi nessa época que Tebas ascendeu como construtor, sendo o responsável por várias construções e ganhando o título de juiz de ofício, o que lhe garantia autoridade para fiscalizar obras de alvenaria e pedra.

Além das construções, muitas são as lendas sobre Tebas. Uma delas foi contada no programa Ensaio, da TV Cultura.

Diz a tradição oral que Tebas estava sempre sentado em frente à Igreja do Carmo. Então, ele fez um acordo com o padre: construiria a Torre da Sé, já que, segundo contam, ninguém na época sabia como fazê-la. Em contrapartida, o primeiro casamento realizado tinha que ser o dele, pois já estava de olho em uma mulher.

Arquiteto ou construtor

Muitos ainda questionam se Joaquim Pinto de Oliveira poderia mesmo ser considerado um arquiteto, e não apenas um construtor muito bem-sucedido em seu ofício.

Sobre isso, Benedito Lima de Toledo, professor emérito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), afirmou em uma entrevista concedida à revista Leituras da História que Tebas foi decisivo para o desenvolvimento do que chamamos de "período de renovação estilística" ocorrido nas igrejas na segunda metade do século XVIII.

Para ele, Joaquim Pinto de Oliveira soube muito bem captar a religiosidade da época e expressá-la de uma maneira bastante pessoal, a exemplo do que os arquitetos fazem com as suas obras.

A importância de Tebas não se dá apenas pelo seu legado impressionante, mas também por reforçar o quanto a população africana trouxe em termos de conhecimentos e tecnologias para o Brasil, especialmente na construção das nossas cidades, além de inúmeras outras áreas — fatos, infelizmente, esquecidos pela nossa história.

Tebas não deve ser visto como uma exceção. Embora as circunstâncias tenham conspirado para que ele ganhasse notoriedade, o arquiteto é apenas um exemplo de que o Brasil que conhecemos hoje é, na verdade, uma mistura das contribuições relevantes de todos os povos que ajudaram em sua formação, e não apenas dos europeus.

Assim, é possível usarmos a história de Joaquim Pinto de Oliveira como uma referência para discutirmos mais a fundo a contribuição dos povos africanos e indígenas para o Brasil.

Gostou de saber mais sobre a história de Tebas? Como indicamos acima, ele acabou de ganhar uma estátua afrofuturista em São Paulo, no Dia da Consciência Negra (20/11)! Saiba tudo sobre o movimento Afrofuturista aqui.

Foto de destaque: Igreja Matriz da Sé, na qual Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, construiu a torre em 1750 e realizou uma reforma entre 1777 e 1778 (Foto: Marc Ferrez)

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  1. Olá, Gilson!

    Que informação valiosa, realmente!

    Agradecemos a sua colaboração e continue nos acompanhando, publicamos toda semana conteúdos especiais para nossos leitores.

    Grande abraço,
    Equipe Archtrends Portobello



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