11.02.2020
Avaliação 
Avalie
 
Sem votos
Avaliar

Um novo MoMA

 minutos de leitura
calendar-blank-line
11.02.2020
Após uma reforma revolucionária, o Museu de Arte Moderna de NY reabre suas portas com mais obras, espaço e ousadia.
minutos de leitura

Lembro bem da primeira vez que pisei no Museu de Arte Moderna de NY. Na época, estava fazendo intercâmbio cultural na microscópica cidade de Lynchburg, na Virgínia, quando minha avó sugeriu que a encontrasse em Manhattan. Segundo ela, não havia a menor chance de eu não me apaixonar pela Big Apple. Estava certa.

Me enviou uma passagem de trem e, dois dias depois, cá estava eu, absolutamente encantado com cada detalhe dessa cidade que já habitava meus sonhos desde a infância.

No primeiro dia fomos ao Central Park e a um espetáculo da Broadway (interminável, diga-se de passagem). No segundo, fomos ao MoMA. Meu avô olhou para uma peça em destaque, que parecia ser nada mais nada menos que uma roda de bicicleta acoplada a um banco redondo, e disse: "Que porcaria! Não serve nem para sentar". Eu, do alto da minha prepotência juvenil, retruquei: "Não, vô. É uma obra de arte."

O objeto, criado pelo francês Marcel Duchamp e conhecido como Bicycle Wheel, foi feito em Paris em 1913 e exposto em NY em 1914 no primeiro Armory Show, um dos eventos mais revolucionários de todos os tempos no universo da arte. Até então, a arte figurativa era praticamente o único estilo reconhecido como algo de qualidade, no entanto, graças a Picasso, Matisse, Braque e, sim, o próprio Duchamp, tudo mudou do dia para a noite. Cubismo, abstrato, arte performática e outras representações passaram a ser admiradas com outra mentalidade.

Registro das obras de arte expostas no MoMa por Pedro Andrade
Registro das obras de arte expostas no MoMa por Pedro Andrade
Registro das obras de arte expostas no MoMa por Pedro Andrade
Registro das obras de arte expostas no MoMa por Pedro Andrade
Registro das obras de arte expostas no MoMa por Pedro Andrade

Digo isso tudo para contextualizar o momento que estimulou um grupo de mulheres visionárias a abrir as portas de uma galeria dedicada à arte moderna em 1929 em um apartamento da família Rockefeller no Upper East Side. Quinze anos após o Armory Show, era evidente a necessidade de uma instituição de arte dedicada a este novo olhar. O sucesso foi tamanho que em pouco tempo, graças às filas que atravancavam a calçada da vizinhança, elas tiveram que mudar o projeto para uma townhouse há algumas quadras do endereço original. E assim nasceu o MoMA.

De lá para cá, o museu passou por várias expansões, no entanto, a mais recente talvez seja também a mais transformativa de todas. Do ponto de vista das dimensões absolutas da instituição, seu espaço vem crescendo década após década, mas a forma como as obras eram apresentadas ao público pouco mudou no último século. Até agora.

Para começo de conversa, o MoMA comprou o espaço do antigo Folk Art Museum (seu vizinho por muitos anos), investiu US$ 450 milhões e expandiu sua área em um terço. Se antes havia espaço para que mais ou menos mil e duzentas obras fossem expostas, hoje estamos falando de quase três mil.

novo MoMA
Pedro Andrade aprecia obra de arte no novo MoMa

Os clássicos lá permanecem: Van Gogh, Monet, Salvador Dalí, Miró, DeKooning e Picasso, porém, hoje, estão misturados harmoniosamente com artistas menos consagrados entretanto mais atuais. Se antes as galerias eram divididas cronologicamente, hoje o fio condutor é mais ousado e dinâmico. Dentre meus temas favoritos estão os espaços dedicados a autorretratos masculinos, nus femininos, arte inspirada em conflitos e obras feitas por artistas negros americanos na segunda metade do século XX.

A princípio este conceito pode parecer confuso, mas, acredite, a experiência acaba sendo menos óbvia e estimula nosso encanto por novos artistas.

Outra novidade é o peso que outros estilos de arte passaram a ter dentro do museu. Agora moda, fotografia, cinema, arquitetura, dança e design têm espaço privilegiado e cativo nos cinco andares do edifício. Isso é resultado do que a meu ver é o maior diferencial do MoMA: a capacidade de acompanhar o mundo ao seu redor. Nos anos cinquenta, vimos uma exposição sobre artistas judeus que faleceram durante a Segunda Guerra Mundial. Nos anos sessenta, havia um foco maior no feminismo. Depois, uma luta declarada contra o racismo. No início dos anos noventa, a curadoria decidiu elaborar uma mostra dedicada a vítimas da epidemia da AIDS. Mais tarde, a instituição abraçou a arte pop. Dez anos atrás passaram a valorizar a arte de rua e agora o acervo permanente conta com cinco vezes mais obras femininas, três vezes mais latinos e o dobro de peças criadas por membros da comunidade LGBTQ.

novo MoMA
Uma das salas de exposição do novo MoMA (Foto: Iwan Baan)
Jardim de Esculturas (Foto: Velvet)

No final das contas, quem ganha somos nós, que temos acesso a um museu repleto de Warhol's, Basquiat's, O'Keefe's, Lichtenstein's, Haring's, Mapplethorpe's, Louise Bourgeouis', Banksy's, Kehinde Wiley's, Gauguin's, Kandinsky's, Brancusi's, Giacometti's e até nossa Tarsila do Amaral que, merecidamente, está em destaque entre Rothko e Cezanne.

Obras expostas: famosas latas de Campbell Soup, por Andy Warhol
The Starry Night, do pintor Vincent van Gogh
Esculturas expostas na Galeria Giacometti no MoMA
Obras de Mark Rothko também são encontradas no novo MoMA

Do ponto de vista arquitetônico, além das novas lojas, cafés, lounges e restaurantes, talvez a grande diferença seja a forma como a instituição hoje em dia abraça a cidade à sua volta. Muitas das paredes brancas de concreto foram substituídas por janelas enormes, que por sua vez nos permitem admirar a Big Apple com a mesma devoção com a qual apreciamos os gênios contemporâneos espalhados pelas galerias.

A verdade é que não estamos falando do maior nem do melhor museu do mundo, no entanto, tudo que é destaque em Nova York, dita o que é especial ou não no resto do mundo. Assim como a cadeira inovadora de Duchamp, a Capital do Mundo não é uma mera cidade. É uma obra de arte.

novo MoMa
Pedro Andrade observa os quadros de Tarsila do Amaral no Museu de Arte Moderna de NY

--

Foto de destaque: Brett Beyer 
Vídeo da expansão do MoMA: arquitetos Diller Scofidio + Renfro

Compartilhe
Avaliação 
Avalie
 
Sem votos
VOLTAR
FECHAR
Minha avaliação desse conteúdo é
0 de 5
 

Um novo MoMA...

Um novo MoMA

  Sem votos
minutos de leitura
Em análise Seu comentário passará por moderação.
Você avaliou essa matéria com 1 estrela
Você avaliou essa matéria com 2 estrelas
Você avaliou essa matéria com 3 estrelas
Você avaliou essa matéria com 4 estrelas
Você avaliou essa matéria com 5 estrelas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O MoMa é realmente incrível. Visitei agora em janeiro de 2020 e percebe-se mto esses contrastes de artistas que o Pedro cita no texto. Muito bom!

  2. Visitei as exposições do MoMA em 2016. Nesta ocasião, seguindo uma sugestão do Pedro Andrade ( pág. 44 da primeira versão de O melhor Guia de Nova York) , depois de percorrer o MoMA, almocei no The Modern tomando um vinho rosé muito bom. Agora, a excelente descrição que Pedro faz neste artigo sobre a evolução do MoMA deu-me uma certeza. No meu retorno à Nova York , farei mais uma visita ( bem demorada) a este museu. E, ainda espero que o The Modern ainda esteja no mesmo lugar com a mesma qualidade.

  3. Como ele tem o dom de nos conquistar e de nos fazer querer viajar com ele.
    Vontade de ir agora conhecer o MoMA.

  4. Tudo que você faz, mostra, escreve em fim nos apresenta sempre é maravilhoso! Pois você nos faz entender e aprender através do seu olhar "simples e verdadeiro"

  5. Baseado na sua experiência de vida, escreva algo sobre Missão de vida, qual sua opinião, visão sobre isso?

Pedro Andrade
Colunista
Colunista

Vivendo em Nova York há 21 anos, o jornalista e apresentador carioca, Pedro Andrade,...

Conhecer artigos



Não perca nenhuma novidade!

Assine nossa newsletter para ficar por dentro das novidades de arquitetura e design no Brasil e no mundo.

    O Archtrends Portobello é a mais importante fonte de referências e tendências em arquitetura e design com foco em revestimentos.

    ® 2024- Archtrends Portobello

    Conheça a Política de Privacidade

    Entenda os Termos de Uso

    Veja as Preferências de Cookies