04.02.2022
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Anna Bella Geiger, Brasil, 1500-1996, 1996. O legado histórico imposto pelo colonialismo no Brasil é uma questão da arte contemporânea que já despontava na Semana de 22

Cem anos depois

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04.02.2022
Uma reflexão sobre a Semana de Arte Moderna de 22 e como, passado um século, seus valores descoloniais e disruptivos ainda ressoam na produção cultural brasileira contemporânea.
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Moderno. Uma palavra aberta a tantas interpretações, talvez esvaziada de seu significado original. Chamamos de moderno tudo que parece esteticamente ousado, atual, de vanguarda, novo. No entanto, já estamos completando 100 anos de modernidade no Brasil.

Há exatamente um século, em fevereiro de 1922, ocorria a Semana de Arte Moderna de 22, no Theatro Municipal, em São Paulo. Aquela com Villa-Lobos (1887-1959), Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Anita Malfatti (1889-1964) e Di Cavalcanti (1897-1976), que abrangeu música, literatura, escultura e pintura. Um divisor de águas na história brasileira.

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Ge Viana, Atualizações Traumáticas de Debret, 2019-2021 A artista faz uma releitura anticolonial das aquarelas do pintor francês

Os agitadores da Semana de 22 declaravam o rompimento com a cultura tradicional e colonial e propunham um novo estilo estético, valorizando a independência do Brasil, que completava, então, 100 anos. Se inspiravam diretamente nos movimentos artísticos que revolucionavam a Europa naquele momento: cubismo, futurismo, realismo.

No ocidente, o clima era de efervescência cultural no início do século 20. Rodin (1840-1917) havia fundado a escultura moderna em 1900. Picasso (1881-1973), desenvolvido o cubismo em 1909. Le Corbusier (1887-1965), desenhado o esquema de uma estrutura arquitetônica modular replicável em massa, com ambientes integrados, em 1914.

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Rosanal Paulino, A geometria à brasileira chega ao paraíso tropical, 2021 (Imagem cortesia: Galeria Mendes Wood)

Essa grande influência cultural chegou impactante ao Brasil, seja pelos artistas brasileiros que viajavam à Europa atraídos pelas novidades – a própria Tarsila do Amaral (1886-1973) não participou da Semana de 22 pois estava em Paris -, seja pelos europeus que migravam para cá, como o lituano Lasar Segall (1889-1957) e o suíço John Graz (1891-1980). 

É difícil que um momento histórico seja delimitado por um único evento. Seria injusto considerar a Semana de 22 a fundação do modernismo por aqui. Na verdade, ela reflete como o movimento cultural já estava forte entre artistas, arquitetos e escritores no Brasil, inclusive anteriormente à década de 1920. 

Lina Bo Bardi, André Vainer e Marcelo Ferraz, Lay out, 1977-1986. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi. O Sesc Pompeia é uma das obras tardias de Lina, quando ela já começou a rejeitar o modernismo europeu e valorizar a riqueza cultural

Também seria impreciso dizer que a Semana de 22 foi o auge do modernismo no Brasil. O volume da produção moderna, principalmente na arquitetura e no design, se desdobra por todas as décadas entre 1920 e 1970. Abaporu de Tarsila é de 1928, o Masp de Lina Bo Bardi (1914-1992), de 1958 e a Brasília de Oscar Niemeyer (1907-2012) e Lucio Costa (1902-1998) foi construída entre 1957 e 1960.

Porém, é inegável que a Semana de 22 foi um marco para difundir e normalizar os ideais modernistas. Além disso, é mágico imaginar tantas mentes geniais e criativas reunidas sob um mesmo teto para discutir renovação estética, temas nacionais e a nova sociedade industrial que nascia.

Ernesto Neto, TomBorTom, 2012. Galeria Fortes D_Aloia _ Gabriel. Neto representou o Brasil na Bienal de Veneza, com um trabalho desenvolvido com a comunidade indígena Huni Kuin, do Acre

Pela multidisciplinaridade, a Semana de 22 é considerada abrangente e heterogênea. Porém, um século depois, é criticada pela falta de diversidade social, racial e regional. Se propunha brasileira, mas funcionava na mesma lógica colonial da influência europeia. Falava do Brasil, mas foi restrita à elite da cidade de São Paulo. Eram questões que não se apresentavam no início do século 20 com a clareza de agora.

Uma das principais exposições organizadas em celebração ao centenário da Semana de 22, Brasilidade Pós-Modernismo, do CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil, cujas imagens das obras permeiam esse texto, se propõe a mostrar como a arte contemporânea revê e repara a Semana de 22. 

Jaider Esbell, A Visita dos Ancestrais, 2021. Esbell é uma das artistas indígenas que fazem parte da exposição Brasilidade Pós-Modernismo, do CCBB

Ao mesmo tempo que artistas do século 21 são inspirados pela radicalidade e ousadia dos primeiros modernos, o distanciamento histórico evidencia o ponto de vista pouco plural dos primórdios da modernidade brasileira.  

Assim como a Semana de 22, Brasilidade Pós-Modernismo traz obras de diferentes meios e linguagens. Mas vai além ao reunir uma produção artística diversificada e miscigenada, regional e cosmopolita, popular e erudita, folclórica e urbana. 

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Daiara Tukano, Pameri Yukesi, 2020. Tukano é uma das artistas indígenas que fazem parte da exposição Brasilidade Pós-Modernismo, do CCBB

Há quem diga que o Brasil tem um modernismo de longa duração, que ainda não acabou – inclusive, popularmente se usa o termo moderno para descrever a produção atual. Na arquitetura, principalmente, são sutis as diferenças estéticas nos momentos pós-moderno, das décadas de 1980 e 1990, e contemporâneo, do século 21. Afinal, a excelência da arquitetura moderna brasileira dificilmente será superada.

No entanto, é impossível afirmar que o mundo e o Brasil sejam os mesmos de um século atrás. E a cultura, como reflexo direto da realidade temporal, também teve mudanças consideráveis. Com a queda do Muro de Berlim, houve uma reorganização global e ativos antes periféricos passaram a ter cada vez mais protagonismo. O momento é de descolonialismo.

Adriana Varejão, Voluta e Cercadura, 2013. Foto Jaime Acioli. A obra aponta o desgaste da relação colonialista entre Portugal e Brasil

Em um país tão diversificado culturalmente, parece que estamos chegando a uma representação mais acurada de brasilidade. A exposição do CCBB traz, por exemplo, obras de artistas da Paraíba, de Alagoas e do Pará. Destaca as séries Mares e Azulejos, de Adriana Varejão, de azulejos portugueses com rachaduras irreparáveis. E, principalmente, incorpora e eleva a produção de arte indígena, tão apagada da história da arte brasileira.

A inserção da cultura dos povos nativos é apenas uma das facetas que revela como o movimento contemporâneo é mais plural que o moderno. Um século depois, se tivéssemos uma nova Semana de 22, as portas estariam abertas à diversidade, à natureza e à originalidade.

Serviço

Brasilidade Pós-Modernismo
CCBB São Paulo
Período: até 7 de março
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112, Centro Histórico
Entrada: gratuita

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Maria Silvia Ferraz
Colunista
Editora

Editora do Archtrends, colabora com a Portobello desde 2014. É jornalista pela Faculdade Cásper...

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