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Questionar bem o bom produto

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Avaliar os concorrentes do prêmio do Museu da Casa Brasileira significa ampliar o campo do design no país.
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No livro “100 razões para se chamar um designer”, Joaquim Redig elenca perguntas triviais para analisar criticamente um produto de design, do ponto de vista do usuário. “Muito baixo? Tá incômodo? Vazou? Difícil de limpar? Tá deprimente?”, formula o ex-sócio de Aloisio Magalhães no PVDI e professor da PUC-Rio. Se a resposta for sim, “Chame um designer”, brada ele.

Na visão de Redig, se algo não funciona bem, não é por inabilidade do usuário – como muitas vezes pode parecer –, e sim pela ausência de um bom projeto. É comum percebermos os produtos e serviços à nossa volta como algo dado e não criado. Esses questionamentos corriqueiros são, portanto, detentores de preciosas percepções daquilo que nos cerca.

Certamente, boa parte dessas perguntas passou pela cabeça do júri do mais importante e longevo prêmio de design do Brasil, aquele promovido pelo Museu da Casa Brasileira desde 1986. Em novembro, foram anunciados os vencedores da 32ª edição, divididos nas categorias Construção, Eletroeletrônicos, Iluminação, Mobiliário, Transportes e Utensílios (fora do âmbito de produto, que é o foco deste texto, há ainda Trabalhos Escritos e o Concurso do Cartaz).

Sistema deslizante Evo, do Grupo Criativo para Rometal, foi 1º lugar na categoria Construção. “O prêmio é representativo da produção brasileira nos últimos anos”, diz Giancarlo Latorraca, diretor do MCB (Imagem: divulgação)
Luminária Amarcord, do Adolini+Simonini para a fabricante italiana Martinelli Luce, 1º lugar na categoria Iluminação. A própria cúpula transparente é o elemento difusor do LED, dimerizável (Foto: divulgação)
Máquina de lavar roupas Double Wash, da Brastemp, 1º lugar em Eletroeletrônicos, possibilita a separação de roupas diferentes na mesma lavagem. “A solução tem a ver com a característica de uso no Brasil”, pontua Levi Girardi (Foto: Whirpool Corporation no Brasil)

O prêmio do MCB surgiu para incentivar a atuação do designer na indústria brasileira – um de seus méritos é dar crédito ao profissional ou à equipe de design e não apenas à empresa. Apesar do enfoque na produção em série, desde a primeira edição outras propostas foram contempladas, como a produção artesanal ou aquela influenciada pelo que a historiografia especializada chama de pós-moderna (quando a premiação emerge, nos anos 1980, está em curso a inflexão de preceitos até então dominantes no design – por exemplo, funcionalidade –, que deu lugar a experimentações estéticas e a criações de caráter crítico).

Hoje, o prêmio de design do MCB mescla produtos fabricados em grande número por empresas estabelecidas no mercado, peças manufaturadas artesanalmente, protótipos realizados com tecnologias emergentes, designers jovens que batalham seu espaço em plataformas de venda online  e projetos de estudantes. Ao abranger modos de produção e comercialização tão distintos, precisa adicionar ao rigor de seus critérios alguma flexibilidade e reflexão caso a caso – como avaliar em pé de igualdade um produto que responde a uma demanda advinda de pesquisas de consumo e outro que especula um cenário futuro, ou que simplesmente explora uma nova técnica?

Seacycle, de Thays Ramos, Victória Piffero e Aline Kaufmann, estudantes da UFRGS, recebeu menção honrosa na categoria Têxteis. A intensificação da cor nas figuras é uma reação a raios UV. O intuito é aplicar o tecido em peças de banho infantis, alertando os usuários sobre a exposição solar (Foto: divulgação)
Museu da Casa Brasileira
Luminária Lanterna, de Fernando Prado para Lumini, 2º lugar em Iluminação. A peça interna, feita por impressão 3D, usa o filete como linguagem do desenho. O produto faz um uso pouco usual da técnica, mais utilizada em protótipos (Foto: Andrés Otero)
Bicicleta Versa, de Gabriel Delfino e Pedro Diniz para Sense Bike, 1º lugar em Transportes. “Apesar de uma bicicleta parecer igual a muitas outras, conceber e fabricar um novo modelo não é nada simples. É bom termos no Brasil uma bicicleta com esse nível de qualidade”, diz Levi Girardi (Foto: divulgação)

Nesse sentido, as estratégias do evento promovido pelo Museu da Casa Brasileira incluem um júri formado por dois grandes grupos de pontos de vista – os profissionais ligados à academia e os atuantes no mercado, separados em duplas para cada categoria –, e uma série de discussões presenciais entre os avaliadores. A edição deste ano foi presidida pelo designer Levi Girardi, do QuesttoNó, empresa cuja atuação passou nos últimos anos do produto stricto sensu à estratégia – o que, a seu ver, é uma das principais tendências no campo. “Empresas não podem se lembrar do designer apenas na hora de executar um desenho, isso vai contra o princípio da disciplina”, afirma ele.

Nesta edição, o júri assinalou que o mobiliário, ocupando 50% das inscrições, foi o que proporcionalmente teve a menor adesão aos critérios. O motivo provável é ser esse um tipo de produto passível de produção independente, algo bem mais desafiador para um eletroeletrônico. O dado mostra o quanto a relevância de um projeto depende de sua inserção em um contexto existente ou muito bem formulado. Faz parte da natureza do design agenciar uma série de demandas e limitações.

O custo final, por exemplo, é parte da avaliação, ligando-a à viabilidade comercial do concorrente – decisão que descarta a luminária efusivamente tecnológica que, no entanto, chegaria ao mercado a 20 mil reais. Descobrir inquestionáveis semelhanças com um produto já existente é motivo de desclassificação. Após a escolha dos vencedores de cada categoria, uma última avaliação foi feita, de maneira inédita este ano, pelo grupo de 16 jurados, transversalmente. E, na abertura da exposição dos laureados, o júri expôs aos participantes e ao público os motivos de sua decisão. “O prêmio tem a missão didática de mostrar que o design está a serviço das pessoas, e que ele é um campo de atuação que envolve toda a sociedade”, diz Giancarlo Latorraca, diretor do MCB.

Mancebo Mandacaru, de Rafael Sturdart Alencar para Arte em Cadeiras, 2º lugar em Mobiliário. Todas as partes do móvel são encaixadas sem parafuso, mas por cunhas, podendo ser facilmente reposicionadas pelo usuário (Foto: divulgação)
Museu da Casa Brasileira
Moto Power Pack & DTV, de Ricardo Eduardo e Hugo Flores Menezes para Motorola Mobility Brasil, 1º lugar em Eletroeletrônicos. O gadget, que permite mais autonomia de bateria e apoio 45º para assistir TV, tem design brasileiro e é um produto global da marca (Foto: divulgação)
Museu da Casa Brasileira
Vista da exposição dos vencedores do 32º Prêmio de Design no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo (Foto: divulgação)

Se permanecem paradigmáticos os princípios da “boa forma” da escola HfG de Ulm (tão caros às primeiras instituições de ensino do design no Brasil), ou mesmo os “10 princípios do bom design” do alemão Dieter Rams – (vale um Google!) –, criticar um produto envolve ainda perceber detalhes tais quais a justeza da altura, o conforto, a contenção correta do líquido, a facilidade da limpeza e a emoção que provoca, para seguir as perguntas de Joaquim Redig citadas no início deste texto. Dentro da expansão do campo de atuação do designer – e a inconteste responsabilidade evocada pelo professor carioca – o principal prêmio do Brasil continuará relevante se souber fazer perguntas simples e precisas.

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Livia Debbané
Colunista
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Jornalista especializada em design. É graduada em Filosofia pela PUC-SP. Trabalhou na revista Bamboo...

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