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Cultura do cuidado

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07.09.2020
Victória Redecker, 30 anos, transmite a mesma tranquilidade impressa nos ambientes assinados com a grife Redecker + Sperb, com escritórios em Novo Hamburgo e Porto Alegre.
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Ao visitar um espaço de sua autoria, entra-se no território da delicadeza e do afeto, repleto de soluções funcionais e de conforto, ao mesmo tempo pontuado por toques estéticos surpreendentes e peças autorais. Paralelamente ao trabalho, a Victória solidária entrou em ação em mais uma frente, a da filantropia: mobilizou arquitetos para socorrer a população economicamente vulnerável pela pandemia da sua região. 

Toques inusitados merecem um olhar atento (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)
Toques inusitados merecem um olhar atento (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)

Por trás dos ambientes projetados por Victória, há mais do que bom gosto e elegância nas escolhas. Talvez a temporada em Londres e em Brasília ou a disciplina do ballet clássico de toda a vida tenha estimulado o seu olhar a mirar sempre além da zona de conforto, mas com a característica de ser “muito família”, como ela diz. Com o acervo mental – consciente ou não – impregnado de obras de artes visuais, arquitetura e música do mundo, as propostas desenhadas a quatro mãos com a sócia e amiga desde antes da faculdade, Jéssica Sperb, representam as vivências de ambas. Elas atuam juntas até nas sempre ativas ações sociais de cuidado com o próximo.

Victória Redecker e Jéssica Sperb fiscalizando obra concluída (Crédito: divulgação)
Victória Redecker e Jéssica Sperb fiscalizando obra concluída (Crédito: divulgação)

A menina que desenhava “plantas baixas” na época em que o único layout possível de intervir era o da casa da Barbie nasceu em Novo Hamburgo, município na Região Metropolitana de Porto Alegre. Quando era ainda muito pequena, mudou-se com a família para Brasília por um período de oito anos. Do convívio com o urbanismo e a arquitetura de Lucio Costa e Oscar Niemeyer certamente ficou alguma herança de familiaridade com o tema. Depois vieram as visitas às mostras de arquitetura e decoração na companhia da mãe e a alegria a cada reforma no seu próprio dormitório para atualizar as necessidades de etapa da vida.

– Pensei em Arquitetura ou Psicologia, mas foi muito fácil definir, pois sempre me encantei com esse universo – diz Victória, ao contar como foi natural para ela a escolha da profissão, mesmo sem ter nenhuma referência próxima. 

Antes da formatura em Arquitetura pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), localizada em São Leopoldo, cidade vizinha a Novo Hamburgo, Victória tirou o passaporte da gaveta e foi em busca de uma bagagem especial.

Referências para a vida

– Tranquei a faculdade para morar em Londres durante seis meses. Foi uma experiência incrível em todos os aspectos, completamente enriquecedora no âmbito pessoal e profissional. Fiz diversos cursos de arquitetura e interiores na University of the Arts London (UAL), que realmente abrem a cabeça para novos métodos, formas de ver, valorizar e aperfeiçoar o olhar – conta a arquiteta.

Victória trouxe ainda um inglês aperfeiçoado com sotaque britânico e lembranças de viagens dessa mirada pela Europa. Claro que voltou encantada pela National Gallery de Londres, “repleta de Van Gogh, Monet e tantos outros artistas impressionantes”. No que ela define como a “paixão mais contemporânea”, “a Tate Modern (International Modern and Contemporary Art) é uma experiência à parte, com sua edificação renovada por Herzog & de Meuron e as mostras mais diversas, mas o novo museu Zeitz MOCAA (Museum of Contemporary Art Africa), em Capetown, África do Sul, é sensacional também, uma edificação espetacular e tem exposições muito especiais de artistas locais – recorda.

Lembro que outro projeto dos autores da Tate Modern, Herzog & de Meuron, foi anunciado recentemente: o novo hospital do Centro Médico Helen Diller no campus Parnassus Heights da University of California San Francisco (UCSF). O escritório suíço desta vez trabalhará em conjunto com o norte-americano HDR para criar a edificação para abrigar serviços ambulatoriais e de internação, mais um departamento de pesquisa e formação na área da saúde. 

Admiradora de diferentes manifestações de arte, a arquiteta tem a sensibilidade apurada pela sua experiência de procurar conviver com todas como partes de sua vida.

– Adoro contemplar o clássico e o contemporâneo, são dois universos que me atraem. Por ter dançado ballet clássico a vida toda, assistir ballets e concertos de música clássica ao redor do mundo me encantam. Não passo uma viagem sem ir a algum teatro. E são geralmente as experiências mais marcantes, pois trazem muita emoção – diz.

Suavidade do ballet ao projeto (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)
Suavidade do ballet ao projeto (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)

Por outro lado, ao invés de se descrever como sonhadora, ressalta que é “muito pé no chão”, destacando uma característica da inteligência emocional, a de não criar expectativas, ao falar da escolha profissional que, aliás, não teve influência de nenhum arquiteto, engenheiro ou construtor próximo da família. 

– Vivo um dia de cada vez (...). Cada passo é uma descoberta e uma construção, mas não imaginava que poderia gostar tanto da profissão que escolhi, hoje sei que nasci para ela, não trocaria por nada – completa a arquiteta urbanista

Toque de cor reforça a presença da natureza (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)
Toque de cor reforça a presença da natureza (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)

A identidade do escritório foi sendo construída por Victória e Jéssica como “um processo de autoconhecimento”, experimentando e descobrindo aos poucos o que fazia sentido para a dupla e para seus clientes. Vale lembrar que quando a pequena Victória brincava de fazer plantas baixas já imaginava as pessoas vivendo nos ambientes, numa demonstração de respeito ao aspecto humano que deve ser a motivação do projeto.      

Estava impresso no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) a sua preocupação com as pessoas. Victória projetou um centro de reabilitação para deficientes físicos em uma edificação de 10.000 metros quadrados com todos os espaços especificados, como área de fisioterapia, produção de próteses e órteses, centro pedagógico e hidroterapia. Claro que a formanda propôs um prédio todo acessível, pensado para reinserir pessoas à sua rotina normal porque “queria algo com propósito”, em que acreditasse “e não fosse apenas para uma classe social”. A preocupação em fazer um trabalho social sempre fez sentido para ela, “como uma pequena maneira de retribuir a tanto que Deus concedeu para cada um de nós com todo seu amor, ensinamentos e oportunidades”. 

– Iniciei aos 15 anos, ainda na escola, o trabalho social com crianças carentes, e me encantei com a oportunidade; aos 17 anos, engajada na Liga Feminina de Combate ao Câncer, fizemos um trabalho muito especial (eu e Jéssica nos conhecemos lá), depois atuando junto à igreja com crianças pequenas que moram em lares. Estamos sempre atentas para poder ajudar quem realmente precisa. Por último, arrecadamos muito alimento junto a um grupo de arquitetas para as pessoas que estão passando necessidade na situação de desemprego devido à pandemia – conta. 

Ao se descrever como “sensível, tranquila, verdadeira”, entre outros predicados, Victória acrescenta que ama explorar e conhecer lugares novos. Volta a fazer referência a essas fontes de estímulo, ao falar sobre a identidade do escritório Redecker + Sperb.

Identidade do escritório sem prejudicar a personalidade do ambiente criada para se harmonizar com quem vai conviver nele (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)
Identidade do escritório sem prejudicar a personalidade do ambiente criada para se harmonizar com quem vai conviver nele (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)

– Seguimos um estilo em linhas gerais, mas não nos prendemos a ele; acreditamos que estamos em constante evolução e transformação buscando aprimoramento. Eu e Jéssica amamos viajar e essas inspirações são certamente uma experiência que sempre nos influenciou: restaurantes, hotéis, lugares com novos hábitos, tudo vai agregando na bagagem até nos reconhecermos e resultar em nosso trabalho/estilo – pondera. 

Cultura do Cuidado - Projeto em 360 graus para apartamento na cidade de Canoas (Crédito: divulgação)
Projeto em 360 graus para apartamento na cidade de Canoas (Crédito: divulgação)

Claro que o período em Brasília traz Oscar Niemeyer como uma referência constante, com sua arquitetura de espaços amplos, identidade única, “sempre pensando além, diferente, impressionante”. Victória o considera “um gênio em todas as escalas” e ressalta que sempre o admirou e continua se impressionando em cada obra que visita. Victória avalia de forma holística tudo o que impacta no resultado das criações. Ao se definir como profissional, a arquiteta diz que é “responsável, comprometida, atenciosa, sensível, antenada e apaixonada”. 

Cultura do Cuidado - A dupla Jéssica e Victória (à D na foto) (Crédito: arquivo pessoal)
A dupla Jéssica e Victória (à D na foto) (Crédito: arquivo pessoal)

A parceria que virou sociedade começou quando a mãe de Victória a chamou para fazer o projeto do seu novo apartamento. Foi natural convidar Jéssica para projetarem juntas. Decorrência desse projeto, veio o seguinte e outros mais, a tal ponto que as duas jovens arquitetas abandonaram o home office como única alternativa e abriram o primeiro escritório. A expansão para a Capital foi natural, ampliando a cartela com clientes de Novo Hamburgo, Canoas, Porto Alegre, municípios serranos como Gramado, Igrejinha, mais cidades do Litoral Norte. 

Cultura do Cuidado - Ambiente com aconchego (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)
Ambiente com aconchego (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)

Nem tudo é projeto

Hoje a empreendedora acumula mais funções do que projetar arquitetura, interiores e fazer incursões pelo design. Há que fazer muitos cálculos, conforme atesta Victória:

– Além de arquitetas, somos empresárias com mil funções; temos que nos desdobrar para assumir todas as funções e deixar a empresa redonda em cada aspecto. Ter uma sócia é maravilhoso para trocarmos ideias e dividirmos tarefas. 

Tem sido natural a divisão do trabalho, conforme as aptidões de cada uma, suas preferências e tempo disponível. Ao contar como funciona essa parte do cotidiano do escritório, Victória faz questão de ressaltar o respeito existente entre as sócias. Dá parta perceber também que há afeto e a torcida de uma pela outra. “Sociedade é como um casamento, temos que pensar muito no outro e saber ceder quando preciso, mas, como somos melhores amigas, é tranquilo, somos sinceras, pensamos de forma parecida, apesar de sermos diferentes”, resume Victória. 

Mas, voltando à divisão de tarefas, ela cuida das áreas de marketing e comercial, enquanto Jéssica fica no comando do setor financeiro. Mas, nos projetos, as sócias amigas sempre criam uma com auxílio da outra, trocando ideias, referências e opiniões. “As duas precisam gostar de tudo antes de finalizarmos um projeto”, conta Victória que ressalta a necessidade de se dividirem depois, nas etapas de coordenação de projetos, visitas, obras e reuniões, conforme o tempo disponível, a afinidade com os clientes e a localização da obra. Contudo, ambas sabem o que está acontecendo na obra que a outra está coordenando. 

Cultura do Cuidado - Arquitetura e interiores na pauta (Crédito: divulgação)
Arquitetura e interiores na pauta (Crédito: divulgação)

Quanto a preferências, claro que existem, mas são variadas, como fica claro. Victória conta que adora projetar edificação com interiores. Assim, conseguem explorar a arquitetura como um todo, desde os materiais até os visuais da obra e do projeto de interiores. Ver a obra evoluir, “resolver as intercorrências, trocar ideias com fornecedores” fazem seus olhos brilharem. Do lado de dentro, a arquiteta conta que tem um fraco pela criação de closets. 

– Não funciono ficando apenas sentada no escritório. Gosto de gente – ressalta, ao contar a preferência que a pandemia atrapalhou, mas também diz que, apesar de terem sentido falta da convivência sem restrições, aprenderam rápido a se adaptar aos novos tempos, trabalhando de casa e focando nos projetos, intensificando o uso da tecnologia com organização.

Cultura do Cuidado - De olho nos detalhes, Victória escolhe cada objeto (Crédito: divulgação)
De olho nos detalhes, Victória escolhe cada objeto (Crédito: divulgação)

Lembra que, no momento de criar o projeto, já têm praticamente tudo definido, em termos de cores e materiais, mas que depois podem variar no momento de fechar os orçamentos e de acordo com as preferências dos clientes. O mármore em revestimentos combinados a serralheria, couro e madeira estão “sempre presentes” nos projetos, junto com os preferidos Portobello Hops Black e Pietra Lombarda Off White. E, para criarem propostas únicas e com personalidade, desenham mobiliário com frequência para os projetos que têm sempre o mesmo ponto de partida para não errar.

Composição de revestimentos (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação) Cultura do Cuidado
Composição de revestimentos (Crédito: Marcelo Donadussi, divulgação)

– O cliente é nosso leme. Buscamos entender primeiro a essência, a história e os gostos dele. Depois deste norte vem toda nossa bagagem de experiências, lembranças, pesquisas em sites, Pinterest, viagens, hotéis, restaurantes, sensações, músicas, materiais, mobiliário – conclui Victória Redecker. 

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Foto de destaque: Delicadeza e rusticidade: Victória Redecker em meio a cactos no espaço de uma vinícola na África do Sul (Crédito: arquivo pessoal)

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Eleone Prestes
Colunista
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Especializada em conteúdos de arquitetura, design e arte, cobre as principais feiras nacionais e...

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