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A Era Ecossistêmica

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09.02.2018
Não precisamos lutar contra as forças da natureza, mas sim usá-las a nosso favor, entrando no ciclo natural dos fluxos de energia e informação do planeta, de forma sinergética e orgânica.
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Você nunca muda as coisas lutando contra a realidade existente. Para mudar algo, crie um novo modelo que torne o modelo existente obsoleto.

Buckminster Fuller

Todas as formas da natureza e todas as formas de civilização têm “arquitetura”. Das menores moléculas, das placas tectônicas dos continentes, dos artefatos culturais mais simples até as maiores megalópoles. Sujeitos mutantes no curso do tempo, os humanos e todos os seres vivos surgem e existem nos processos dinâmicos e nos fenômenos do mundo natural.

Os organismos são um agrupamento de inter-relações que mantêm a própria integridade por meio de processos intricados de ação e reação com o entorno. Do mesmo modo, a evolução da espécie humana está diretamente conectada às transformações do meio ambiente e às mudanças climáticas.

A energia, a informação e os materiais fluem entre todas as formas do mundo, e as formas humanas coevoluíram e se desenvolveram nesse fluxo.

Todas as formas de civilização e as consequentes formas arquitetônicas nascem dos processos de sistemas culturais que, por sua vez, estão diretamente relacionados aos acontecimentos climáticos e ecológicos da superfície do planeta Terra.

A primeira grande revolução do Homo Sapiens foi a revolução cognitiva e simbólica. As dinâmicas sociais moldaram as relações subjetivas, dando origem a uma linguagem mais complexa e à criação de um mundo simbólico. O homem Neolítico, que divinizava a natureza numa sociedade animista, era nômade, organizado em tribos de catadores e caçadores. Esse formato conseguiu manter a existência da espécie humana, que podia mudar de lugar facilmente e se adaptar às novas condições climáticas. As mudanças no clima estimularam também as grandes navegações – seja aproximando ilhas com a seca ou graças às correntezas e rios criados pelo derretimento de geleiras –, levando o homem e suas embarcações a novos territórios desconhecidos. Os navegadores conheciam técnicas de cestaria, por serem também pescadores, e assim criaram estruturas triangulares, baseadas em um sistema de tensão, para construir embarcações sofisticadas. A arquitetura, consequentemente, também tinha que ser nômade, e por isso era leve, transportável e adaptável, feita de fibras trançadas e estruturas aprendidas da construção de barcos.

A segunda revolução foi a agrícola, ocorrida entre 13.000 e 10.000 anos atrás, também devido a um período estável de temperaturas amenas, após o fim do último período glacial. Na era Neolítica, o ser humano descobriu técnicas para domesticar animais e grãos, criando uma sociedade sedentária e provocando o nascimento das grandes cidades. A consequência desse acúmulo energético centralizado se manifestou na organização social hierárquica, em uma prática religiosa monoteísta e na dominação do homem sobre a natureza. Isso se refletiu diretamente nas estruturas arquitetônicas, baseadas em forças de pressão, que espelhavam a organização política e social piramidal.

Os avanços científicos e tecnológicos levaram à terceira grande revolução da organização social e, consequentemente, das estruturas arquitetônicas. Foi a chamada Revolução Industrial. Essa revolução manteve os padrões hierárquicos da era Neolítica, elevando a onipotência do ser humano sobre as forças da natureza e o divino, criando uma idolatria à tecnologia.

A era atual que estamos vivenciando está fundada sobre paradigmas mecanicistas, que se refletem na visão do mundo da era moderna e contemporânea. Na arquitetura e no urbanismo, a apoteose dessa visão se expressa nos valores de estilo da Arquitetura Modernista: o racionalismo antissistêmico, celebração do domínio sobre as forças da natureza e estagnação da evolução estrutural (permitida apenas em um contexto abstrato da cultura visual de standards especializados, ideológicos ou estéticos). Essa visão da arquitetura coloca o homem no centro do universo, que por sua vez está reduzido a leis físicas deterministas, entendidas como previsíveis, estáveis e controláveis. Na Era Industrial, o homem não se considera parte da Natureza, que é vista apenas como recurso a ser consumido ou imaginário exótico do Éden incorruptível a ser perdido.

O homem emergiu da Natureza e evoluiu dentro dela. Todas as formas de cultura humana evoluíram dentro desse sistema modificando a si mesmo, os outros organismos e o entorno natural na superfície do planeta – e, finalmente, influenciando no “metassistema” climático. As formas e sistemas mudam no curso do tempo, e as formas da natureza e das civilizações estão diretamente conectadas.

Há apenas mil anos, a população da Terra estava em 310 milhões de habitantes, num momento climático chamado de “Optimum Medieval”, com um clima seco e estável. Hoje somos seis bilhões de habitantes e a previsão é de que até o final desse século esse número chegue a nove bilhões, gerando uma operação insustentável de superconsumo dos bens naturais.

Todos os sistemas do mundo tendem a evoluir até chegar ao limite crítico, após o qual colapsam e se reorganizam em sistemas mais simples – ou mesmo mais complexos, dependendo do fluxo da energia no sistema em questão. O nosso mundo está no horizonte do colapso e, consequentemente, de mudanças sistemáticas, na natureza e na nossa civilização, de onde novas formas vão surgir.

Os efeitos das mudanças climáticas atuais serão locais e globais. O fluxo energético acumulado no sistema vai igualmente criar comportamentos emergentes nas economias locais e internacionais. A nova organização social, e o modo de viver vão emergir com a evolução da nossa capacidade de antecipação e adaptação orgânica às mudanças.

Chamo esta nova era, na qual estamos entrando, de Era Ecossistêmica. Não precisamos (e nem temos como) lutar contra as forças da natureza, mas sim usá-las a nosso favor, entrando no ciclo natural de fluxos de energia e informação do planeta, de forma sinergética e orgânica.

Lembrando uma frase do ambientalista James Lovelock: “O planeta Terra é um sistema integrado onde as componentes orgânicas e inorgânicas evoluem juntas como um organismo único, um sistema que se autorregula”. Descendo de escala, encontramos a floresta que funciona da mesma forma, um superorganismo resiliente.

Um sistema altamente complexo de interrelações de bilhões de componentes que igualmente consegue ficar estável por milhares de anos, adaptando-se e sobrevivendo a grandes “choques no sistema”.

Ecossistêmica
Centralizada / Distribuída / Compartilhada / Ecossistêmica

Numa visão ecossistêmica do mundo, a nossa sociedade – que evoluiu de uma estrutura centralizada para uma descentralizada e, finalmente, para uma estrutura distribuída – agora tende a uma visão de conexão sinergética com a Natureza.

A Natureza é a tecnologia do futuro onde encontramos soluções sistemáticas altamente desenvolvidas e inteligentes. A arquitetura e, consequentemente, as cidades vão procurar na resiliência o seu sentido de existir, juntando propósito com essência.

Como podemos aplicar de forma prática a inteligência da Natureza na nossa forma de pensar as cidades do futuro próximo na Era Ecossistêmica?

Segundo Michael Mehaffy e Nikolas A. Salingaros, podemos extrair quatro aprendizados de sistema naturais para serem aplicados no desenho das nossas futuras arquiteturas e cidades:

  1. Sistemas naturais possuem redes interconectadas de caminhos e relações. Não são segregados em categorias fechadas de uso, tipo e percursos de conexões que os deixariam vulneráveis a falhas;
  2. Sistemas naturais possuem diversidade e abundância de atividades, tipos, objetivos e população;
  3. Há uma grande distribuição de escalas e estruturas, desde o planejamento em escala regional até o detalhe mais fino. Combinando com os pontos (1) e (2), essas estruturas são diversificadas, interconectadas e podem ser mudadas com facilidade localmente;
  4. Sistemas naturais podem se adaptar e organizar como respostas à necessidade de mudanças ou diferentes escalas espaciais e temporais. Eles podem se “auto-organizar”.

As cidades resilientes evoluem de maneira muito específica. Elas nascem sobre padrões ou informações antigas e no mesmo momento respondem adicionando novas soluções e se transformando da mesma forma que um organismo se adapta às mudanças de condições. A inovação vai ser “evolutiva”, com modificações graduais, adaptáveis e híbridas.

Nesse sentido, a adaptação sempre foi a estratégia mais importante de sobrevivência do ser humano. Lembrando que há aproximadamente 190 mil anos, devido a grandes inundações, a população foi reduzida a poucos milhares de indivíduos. E a recuperação foi possível graças à criatividade e à diversidade de soluções. O planeta está mudando. Sempre esteve e foi isso o que permitiu a vida no planeta e a diversificação das espécies. Da mesma forma, nesse novo cenário que estamos vivenciando, o desafio vai ser a nossa capacidade de antecipação e adaptação, onde temos um tempo adequado para evoluir como espécie, em termos de consciência.

Pode ser que não sejam as grandes decisões de governos e organizações internacionais que vão criar soluções, mas sim o engajamento de cada um de nós, num trabalho de expansão da consciência e novos paradigmas de pensamento e atuação orgânica e colaborativa, de forma simbiótica, assim como acontece em uma floresta.

Nós – arquitetos, designers e urbanistas – temos a liberdade e a responsabilidade de atuar em resposta aos novos desafios, criando os projetos futuros – que serão integrados de forma orgânica e inteligente –, adaptando-se de forma sinergética a um mundo em constante movimento.

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Marko Brajovic
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Marko Brajovic é formado em arquitetura pela Universidade de Arquitetura de Veneza, Mestre em...

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